Há esperança no mundo


   Há alguns anos atrás, eu morava em Belo Horizonte e cursava Enfermagem no Centro Universitário Izabela Hendrix. Era um sobe e desce morro e uma vida regada de leite e bolacha. A melhor hora do dia era o almoço. Ia em um restaurante na esquina do meu prédio e todos os dias eu me dava o direito de tomar um suco de laranja. Papai patrocinava meus estudos, minha moradia, minha alimentação, meus livros, meu xerox, minhas idas e vindas para Lagoa da Prata para visitar a família. É válido dizer que essa já era minha segunda graduação e que a minha única renda era da monitoria que eu dava na faculdade.
   Belo Horizonte é uma cidade de muitos rostos, muitos carros, muito movimento, muitas possiblidades, muito vai e vem. Mas sempre achei que faltam sorrisos, “bom dias”, entregas de almas. Conheci muita gente, algumas ainda mantenho contato. Porém, na minha lembrança, com frequência, vem à imagem de um senhor que eu sequer sei o nome e se ainda está vivo. Ele trabalhava com seu carrinho de pipocas na esquina do Centro Universitário, ali na  Rua da Bahia com Bias Fortes. Ele devia ter mais de 60, 70 anos talvez. Eu indo ou vindo ele sempre me dirigia um sorriso, um bom dia, perguntava como eu estava, como tinha sido o meu dia. No seu carrinho além das pipocas, tinha amêndoas carameladas e vários tipos de doces.  Meu dinheirinho era contado e, como já disse, a única gracinha que eu me permitia diariamente era tomar um suco de laranja, eu raramente comprava alguma guloseima desse senhor. Nem por isso ele deixou de me tratar com gentileza quando cruzávamos os nosso caminhos. 
   Desde que me entendo por gente, tenho um apreço por esses “vendedores de infância”. Os pipoqueiros, os vendedores de algodão doce, os vendedores de balas no trânsito, pelo rapaz que vende trufas de bar em bar na noite de nossa cidade (diga-se de passagem, ele já foi meu aluno). São pessoas que me trazem um sentimento bom, uma alegria na alma, uma esperança na humanidade. A gente escuta muito aquela história que o cheiro da pipoca é melhor que comer pipoca. Acredito que porque todas essas delícias trazem muito mais que sabor. São muito mais que um simples gosto doce ou salgado. Elas nos dão a chance de fazer uma ligação direta com nossos tempos de criança sem nem a gente comer a pipoca e só sentido o aroma.
   Outro dia mesmo, passeando com uma amiga sábado de manhã na Praça da Matriz, tinha um casal de pipoqueiros. Fui abduzida pelo cheiro e caminhei até eles. Eu estava completamente desprevenida, com só uma moeda de um real no bolso. Então, perguntei ao casal o valor do saquinho de pipocas. Respondendo que eram dois reais, eu perguntei se eles me vendiam meio. Eles disseram que sim, mas que me venderiam um saquinho cheio pelo o que eu tivesse para pagar. Achei de uma bondade! Fiquei tão surpresa com aquele gesto. Eles me entregaram a pipoca numa cara de satisfação de dar gosto! Confesso que fiquei constrangida com a situação e logo depois voltei com mais dinheiro para pagar e eles não aceitaram. O que me deixou com mais vergonha ainda! Hoje em dia é tão raro um ato de gentileza, que quando a gente recebe ficamos assim, constrangidos. Como se fosse ilícito dar ou receber delicadezas!
   Depois desse dia tive a certeza que os pipoqueiros e outros vendedores de guloseimas, se disfarçam de vendedores para nos trazer um pouco de boas lembranças, de alegria, de paz, de amor. Enquanto eles existirem, há de se ter esperança no mundo!
Se você ler esse texto e passar na esquina do Izabela Hendrix em BH, por favor, repare se o senhor ainda está lá com seu carrinho e não deixe de me contar.
Carinhosamente, 
Raquel Ribeiro.

3 comentários:

  1. Ei, Raquel! Quanto tempo! Que bom ler um texto seu novamente! Lembro que acompanhava seu blog há mais tempo. Concordo com o seu texto e é bem o que a letra de uma música que a Fernanda Takai canta: "... vai diminuindo a cidade, vai aumentando a simpatia, quanto menor a casinha, mais sincero o bom dia..."
    Continue escrevendo! Abraços!

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  2. Olá, Camilla! Quanto tempo mesmo! Há pouco tempo voltei escrever.Além de publicar aqui, agora também público no Jornal Informação da nossa igreja. Obrigada pelo comentário! Sempre me motivam! Saudades de você! Abraços!

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    1. Saudade também, Raquel! Sempre que vou a Lagoa é tão corrido que nem vejo os amigos.

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