O TEMPO QUE NÃO CABIA NO TEMPO


Queria saber sobre as coisas que não passam. Queria saber porque nem tudo acompanhava o tic-tac do relógio. E, ainda, porque éramos todos tão apegados aos números que, supostamente, definiam o tempo. Era só uma menina que queria saber mais. Saber mais sobre o mundo.  Não entendia porque o ontem tinha cara de ano passado. Não entendia o porquê do anteontem ter cara de momento exato. E foi então que, numa das suas viagens mirabolantes na sua sala de cinema preferida, que ela começou a entender o calendário. O homem é um ser espertinho e que adora números, mas que tem a terrível mania de querer controlar tudo. Foi daí que nasceu o tic-tac. O espertinho queria que tudo passasse. Que nome devia se dar para o que o relógio não controla? Não sabia o que era. Só sabia que não era esquecimento. Seria a magia do tempo? A magia das coisas que não passam. Era o tempo que não tinha medida e não podia ser contado. Só podia ser sentido. Nem sempre era saudade. Às vezes, era um sentimento doído, que os ponteiros, também se esqueceram de levar. Às vezes aquele sentimento tinha gosto de pé-de-moleque e cheiro de bolo saindo do forno. O tempo que não passa era como filme na sessão da tarde. Quantas reprises? O tempo que não passa era o álbum de fotografia que tem toque. Era a fotografia que saia do papel e dançava valsa ou hip hop. Acendia aquela fogueira no peito. Relógio sem ponteiros. Tic sem tac. Passado repassado. Terra do Nunca. Khorons e Kairós. E quando se vê, já é meio dia. Mas nada era meia vida. Vida revivida, concluiu a menina.

Raquel Ribeiro

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