PARA SEMPRE KATE


Kate era uma boxer. Nasceu em São Paulo e fez uma longa viagem até chegar aqui. Foi de avião até Belo Horizonte e de lá para Lagoa da Prata, veio de carro. Chegou numa manhã de sábado. No colo da minha irmã, adentrou pela porta da frente da nossa casa.  Ela era nosso terceiro boxer. Quando crianças, eu e minhas irmãs, tínhamos um exemplar macho da raça, chamado Saddam. Naquela época, me lembro que muitos cachorros tinham o nome do ditador.  Saddam morreu no jardim, vítima de um golpe que o vizinho lhe deu no peito, na tentativa de apartar uma briga entre os cães da rua. Desde o dia que ele se foi, tinha o desejo de ter outro boxer.  Nove anos depois , num dia de carnaval, vi um cão igual a ele na rua e, com minhas economias, comprei uma boxer chamada Shine.  Logo, Kate não era “filha única”.  Quando Kate chegou, sua companheira a esperava dentro de casa. Shine já era adulta e Kate, apenas um filhote que não tinha noção do seu tamanho. A pequenina então, logo já mostrou sua valentia, enfrentado a Shine. Kate  era uma pestinha! Pegava roupas no varal (principalmente as minhas), sapatos, lixo, lagarto e fazia de tudo comida. Não era daqueles cães que ficam quietinhos para você acariciar. Ela era muito estabanada! Pulava  a uma altura inacreditável. Pudera! Era filho de um campeão  de saltos. Lembro-me de uma de suas  fugas . Fiquei por mais de uma hora correndo atrás dela até que, por fim, ela teve a “bondade” de tomar o caminho de volta. Também me recordo do episódio em que ela assaltou o pacote de ração e o comeu  quase inteiro e só parou porque chegamos antes dela devorar tudo. Ficou com uma barriga gigante depois de tanta ração. Em seguida, vocês podem imaginar o que aconteceu, né?! Bem, Kate era muito levada até sua primeira crise de convulsões, que aconteceu numa noite de inverno. Foi um susto enorme! Conseguimos conter a crise após a administração de um medicamento. Depois desse dia, ela passou a tomar medicamentos diariamente. Começamos com um comprimido e por fim, ela já tomava quatro. Durante  anos, mesmo sendo medicada, Kate teve inúmeras crises. Após uma delas, ficou por dias deitada, mas, graças à Deus, conseguiu se levantar e se mover sozinha. Shine era quem nos avisava das crises. Começava a latir e não parava enquanto  não chegava alguém para socorrer a companheira.  Da última vez, Kate começou a ter convulsões a noite e só parou na manhã do dia seguinte, mesmo tendo sido medicada. Depois desse acontecimento, ela não  andou mais e nem se alimentou sozinha. Tinha esperança que ela voltasse ao normal.  Ela ficou uma semana deitada na sua casinha. Eu sempre entrava lá e mudava ela de posição, já que começaram a surgir escaras e eu queria que meu pai acreditasse que ela estava se mexendo, porém, o esforço foi em vão. A Kate sofria e nós sofríamos também. Ela estava indo embora. Então, chegou o dia que eu tive que abrir mão dela. A decisão de deixar ela partir era só minha. Todos da família concordavam em deixar ela ir, menos eu.  A esperança é a última que morre. Contudo, como o Marley do filme Marley e eu, Kate virou uma estrelinha numa manhã triste de setembro. Perder um cão é como perder um pedaço da gente. Quem já passou por isso, sabe do que estou falando. Enfim, Kate era  um dos seres mais valentes que conheci. Viveu por um longo tempo em meio a  medicamentos e crises convulsivas e, ainda assim, conseguia fazer festa sempre que brincávamos com ela.  Vou  lembrar para sempre dela. Para sempre, Kate!

Raquel Ribeiro

Imagem: arquivo pessoal

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